Viajando de Barco de Manaus a Santarém

Depois de passar uns dias em Manaus, fiz uma viagem de barco para chegar a Santarém, no Pará. Já tinha pesquisado muito sobre a cidade, li alguns relatos de viagens por lá e fiquei com muita vontade de conhecer. O objetivo não era ficar em Santarém mesmo, que não tem tantas atrações, mas sim ir até a vila de Alter do Chão e passar uns dias por lá, em contato com a natureza e nas belas praias de água doce.

As viagens de barco no norte são o meio mais usado de transporte do povão. As pessoas viajam muito de barco para ter atendimento médico e para buscar emprego. Há poucos turistas nesse tipo de transporte. Além de transportar a população, os barcos são o principal meio de transporte de mercadorias. Junto com as pessoas, são levados alimentos, grandes carregamentos de frutas, móveis e até veículos. No nosso barco foi um carregamento de orquídeas também.

O barco é do tipo ferry boat, bem grande, com três andares, sendo que no terceiro há um bar com som 24h, que, no meu caso, só tocava Marília Mendonça o dia TODO. Não há cadeiras, apenas suportes no teto para amarrar as redes. Quem for viajar de barco precisa comprar a rede antes. No centro de Manaus, que fica próximo ao porto, há muitas lojas que vendem redes. Há redes de todo tipo e tamanho, incluindo modelos para casais. Comprei a minha por 30, com as cordas de amarrar.

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Ferrys 

O barco tem um restaurante que vende café da manhã, almoço e janta por um preço baixo. Em alguns portos também tem vendedores ambulantes que comercializam quentinhas, mingau, lanches e sucos. No primeiro dia, comprei uma quentinha pra almoçar por 10 reais. Ah, o barco também tem uns poucos quartos privativos com beliches, mas são bem mais caros que a passagem normal, tipo o dobro do valor.

Ainda em Manaus, fui até o porto atrás do mercado Adolfo Lisboa e comprei minha passagem com um dos agentes que ficavam por lá (amigo do carinha que me vendeu o tour do boto). Não cheguei a pesquisar preço nas agências lá do centro, pois assumi que sairia mais caro do que comprar diretamente no porto. Não lembro exatamente quanto custou o ticket, mas acho que foi algo em torno de 130 reais (2016). Comprei no dia anterior ao da partida e perguntei ao vendedor que horas o barco saía. Ele me respondeu que a partir das 7h já poderia entrar para “pegar o lugar da rede”, mas que deveria partir lá pras 10:30h. Segundo ele, se eu chegasse ao barco antes das 9h estaria ótimo, pois encontraria um lugar bom e não esperaria tanto. Mal sabia eu que esse era o cenário ótimo, ideal, desprezando a existência do atrito e a aceleração da gravidade.

O cenário real naquela manhã de uma quarta-feira ensolarada foi o seguinte: Cheguei ao porto de Manaus, mochilão nas costas, rede pendurada no pescoço como um cachecol, livro e sacola de lanches na mão, e fiquei andando de um lado para o outro, procurando o meu barco, que parecia não ter chegado ainda, apesar de já serem quase 9h. Depois de pedir ajuda a uma moça que estava passando e que parecia entender das coisas, fiquei sabendo que o meu barco estava estacionado atrás de um outro barco maior, o Amazon Star, por isso eu não o estava enxergando. Perguntei em qual momento que o barco viria para a frente, para que eu pudesse entrar. Inocentona. O acesso ao barco seria passando por dentro do barco maior e atravessando, até chegar a uma ponte improvisada, que levaria ao barco correto. Acho importante contar esse detalhe aqui, pois o que acabei de narrar é prática corriqueira nesse tipo de viagem. Passei pela mesma situação em minha segunda viagem de barco algum tempo depois, saindo de Santarém, mas aí eu já estava mais sábia e não tive grandes dificuldades.

Quando cheguei ao barco, percebi que estava LOTADO. Subi para o andar de cima em busca de mais espaço, mas não encontrei. Subi mais um andar e nada. Tinha rede amarrada até nos corredores. Desci novamente e encontrei um meio espaço lá no fundo. Fiquei meio pensativa, analisando as condições do local, a ventilação, a iluminação para ler meu livro, até que um senhor falou pra eu adiantar o lado e amarrar a rede por ali mesmo, a não ser que eu quisesse viajar em pé. Joguei a mochila no chão e comecei a prender a rede no teto. Estava tão desengonçada que passei a ser observada pelos meus vizinhos de rede. Novata. Um rapaz de bigode que estava bem ao meu lado ficou olhando eu dar meus nós frouxos na corda, tentando prender a rede, mas sem muita esperança de que aquilo fosse dar certo. Naquele ponto, já estava segurando a sacola de comidas com a boca, suando, e o rapaz continuava me observando, paciente. Chegou um momento que ele se cansou, deu uma respirada funda e perguntou se eu queria ajuda. Imagina. Em 10 segundos, o menino amarrou uma ponta e a outra, tão forte que depois eu fiquei pensando “putz, vou ter que deixar essa rede aqui e ir embora, porque tirar ela eu certamente não conseguirei.” Pronto, estava instalada. E também já tinha um amigo, Jaderson, que gostava muitooo de conversar, e que me contou as histórias de toda a sua vida, durante aqueles dois dias de viagem que passamos ali, um olhando pra cara do outro. Quando ele me dava um intervalo, eu lia meu livro.

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Barquinho e as redes. A minha é essa verde-água com rosa da frente.

Fizemos um combinado: cuidaríamos das coisas um do outro. Quando alguém fosse ao banheiro, ou ao bebedouro, ou ao bar, o outro ficaria de olho nas malas. Nesse momento, um outro rapaz que estava ali perto, também sozinho, decidiu se juntar à nossa parceria. Colocamos todas as malas e sacolas juntas e ali ficamos, tranquilos. Antes mesmo de o barco sair, já estávamos dividindo bolo de aipim, suco e biscotinhos de goma. Eu e André ouvíamos enquanto Jaderson, de 21 anos, nos contava porque o seu primeiro casamento não tinha dado certo, e também já dizia o que estava ruim no casamento atual. André nos mostrou fotos de sua família, de seu irmão, que havia falecido no trabalho dois dias atrás, e da carreta que ele ia dirigir quando chegasse a Almerim, seu destino e cidade natal.

Uma coisa importante sobre a viagem de barco: o horário da partida é apenas uma sugestão. Tudo vai depender do tempo que leva para descarregar/carregar o barco, demoras na autorização da marinha, dentre outras coisas. Ah, e também é importante saber que pode acontecer de tudo, e saiba que, o que quer que aconteça, vai atrasar sua viagem. É assim que é e o próprio povo já sabe disso e nem reclama mais. No nosso caso, o barco só foi sair quase às 14h e depois de quase 1h navegando, a marinha mandou a gente voltar para o porto, pois o barco parecia estar superlotado e supercarregado. Voltamos, saímos do barco, voltamos um a um, sendo contados, e depois de mais espera, finalmente partimos.

No meu barco haviam seis banheiros com privada e chuveiros e bebedouro com água potável. Nos horários das 18h e logo cedo pela manhã são os horários mais disputados. O bom é tomar banho tarde da noite ou logo de madrugada, quando não há filas. A viagem não é das mais confortáveis, a princípio, mas depois que a gente acostuma, passa a ser divertido. É legal fazer amizade com o pessoal local e com outros viajantes, e também ter tempo para ler um livro com calma (se o seu vizinho de rede permitir) e pensar na vida. Tempo é o que não falta nesse tipo de viagem.

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Maresia na rede.

Tirando a demora e os imprevistos da partida, não tivemos maiores atrasos no decorrer do caminho. Paramos em algumas cidades, umas bem pequenas, outras maiores, onde descarregamos mercadoria e carregamos mercadoria. Gente desceu, gente subiu, o barco foi ficando menos cheio, já tínhamos mais espaço para nos movimentarmos e para espalharmos nossas coisas. Subimos para o bar, assistimos ao pôr-do-sol no Solimões e de manhã bem cedo fomos ver o nascer do sol lá em cima também. Não se sabia ao certo que horas chegaríamos à Santarém. Alguns diziam que por volta das 17h, outros acreditavam que às 19h, mas também se falava em chegarmos bem mais tarde, depois das 22h.

Já sabia o ônibus que deveria pegar ao chegar no porto para ir até Alter do Chão, mas essa indecisão de horários foi me deixando preocupada. Como estava sozinha nessa, achei mais prudente reservar logo o hostel e solicitar o translado, apesar do custo alto (90 reais o translado, contra menos de 2 reais do ônibus) . Assim que consegui algum sinal de internet, fiz a reserva e enviei para eles um email pedindo para irem me buscar lá no porto, em um horário que eu não sabia, mas que seria algo entre 19h às 22-23h. Fiquei de enviar outro email quando estivesse mais perto. Como só tinha internet as vezes e eles não me respondiam, fui ficando com medo de chegar no porto meia noite e ficar lá, largada, a 40km do local onde deveria ficar hospedada. Do meio pro fim, encontrei um menino que tinha conhecido no tour do boto e que estava indo para Alter também, e que parecia mais perdido do que eu. Combinamos de dividir o translado (se ele viesse) ou ao menos passar pelo perrengue juntos. Fiquei mais tranquila.

Para encurtar a história: chegamos à Santarém quase meia noite, o translado tinha acabado de chegar para nos buscar (meu coração disparou dentro do peito quando li LENITA na plaquinha do moço), chegamos sãos, salvos e famintos ao hostel, onde tomei um banho super quente, em um banheiro que maravilhosamente não balançava e não tinha baratinhas caminhando pelo teto.

No balanço geral de tudo, curti de verdade a viagem de barco. Fiz amizades únicas, vivi situações inusitadas e conheci realidades de vida tão distantes da minha. Nunca tinha me imaginado passando dois dias dentro de um barco, comendo quentinha e dormindo em rede. Essa foi mais uma daquelas experiências impagáveis que a gente só vivencia em mochilão.

Viajei de barco novamente, indo para Belém, depois de passar uns dias em Alter, e, apesar de não ter mais o efeito da novidade, amei também. Conheci outras pessoas, vi outras paisagens, e tive até um pequeno acidente que quase me custou o final da viagem, mas pude contar com a bondade de pessoas desconhecidas, e isso pra mim foi mais importante do que o pedaço de queixo que acabei deixando no chão do barco hahaha.