Sabe aquelas viagens de última hora, que a gente programa com um ou dois dias de antecedência, meio sem acreditar que vai dar certo e que no final acabam se tornando inesquecíveis? A minha ida ao Pati foi bem assim.
Cheguei em Lençóis, na Chapada Diamantina, antes das 6h da manhã e fui direto para o hostel que tinha reservado algumas horas antes de pegar o ônibus na rodoviária de Salvador. Apenas deixei a modesta mochila no guarda-volumes e parti para o centrinho, onde estão localizadas várias agências de turismo e fiquei por lá, sentada na calçada aguardando que elas abrissem, pois ainda eram 7h da manhã. Agoniada, eu?
Para o meu quase desespero, nenhuma delas tinha grupo montado para fazer a trilha do Pati (fui em todas as 1.487.387.839 mil agências de Lençóis) e o valor para fazer sozinha com o guia estava entre 1,8 e 2 mil. Não vou contar toda a saga aqui, mas no fim das contas acabei conhecendo um cara que trabalhava em uma das agências que não tinha grupo, mas tinha um filho que conhecia um “coroa” que conhecia um guia que tinha um grupo montado para partir na madrugada do dia seguinte. Acertei tudo com o “coroa”, que me cobrou extremamente abaixo do que tinha pesquisado em todas as agências, e na manhã seguinte parti para a minha tão desejada aventura.
A trilha do Pati que eu fiz durou quatro dias. Paguei 600 reais pelo pacote, que incluía o pernoite na casa dos nativos, a alimentação (café da manhã, almoço, janta e lanches) e um guia ma-ra-vi-lho-so, nativo e super disposto, que alegrou nossa viagem e ficou mega animado para guiar um grupo só de meninas! Não foi nada combinado, apenas o acaso, que acabou por juntar cinco meninas aleatórias em uma mesma trilha. Três francesas (duas vieram juntas), uma italiana e eu, a brasileira.
Para a trilha do Pati é preciso que se leve apenas o estritamente necessário, pois todas as comidas para a alimentação do grupo durante os dias de trilha são divididas entre as mochilas de todo mundo, o que significa algumas horas subindo e descendo montanhas com um monte de arroz, lata de atum, pão, biscoito, etc, nas costas, além de suas roupas, meias e outras porcarias pessoais.
A dormida no Pati é feita em barracas de camping ou na casa dos nativos, que recebem os trilheiros por um valor baixo e lá eles tem acesso a uma cozinha comunitária, banheiros e camas para descansar o corpo das andanças. São poucas as pessoas que moram no Vale e o estilo de vida lá é bem pacato. Nem sonho de sinal de celular, nenhum acesso a nada e tudo é muito distante. Para comprar comida no mercado é necessário primeiro vencer o paredão de montanhas que esconde o Vale, e depois aguentar o peso no caminho de volta. Alguns nativos fazem uso de burros para transportar compras e outras coisas.
A beleza natural encontrada no Vale do Pati é sem igual. A dificuldade de acesso faz com que o lugar se torne “protegido” da interferência humana e, na maior parte das trilhas que fizemos, foi como se tivéssemos o lugar todo pra nós. Acordávamos bem cedo para tomar o café da manhã que o nosso guia-cozinheiro preparava para nós (teve até bolo de chocolate um dia lá), depois partíamos para as andanças, subidas e escaladas até algum morro, depois andávamos bastante novamente até a beira de alguma cachoeira, onde parávamos para tomar banhos geladíssimos e lanchar, depois partíamos para mais suadeira até outro lugar bacana e assim passava o dia, até o entardecer.
A viagem ao Pati não tem roteiro definido. Fomos montando a programação junto com o nosso guia, íamos decidindo aos poucos, conforme o dia ia acontecendo. A única parte não negociável era a ida ao Cachoeirão, que tinha que ser feita na nossa última tarde no Vale, pois o guia queria guardar a melhor parte para o final. “Eu quero ver só a cara de vocês quando a gente chegar lá.”
A trilha do Pati pode ser feita a partir de algumas cidades da Chapada Diamantina, e cada um desses caminhos de entrada ou saída mostram paisagens com encantos diferentes e experiências distintas. Mais do que aventura, o Vale do Pati é um local de contemplação e de reflexão. As trilhas não são fáceis e, muitas vezes, podem ser bastante longas. O fato de estar carregando nas costas tudo o que você precisa para “sobreviver” traz uma série de pensamentos e associações que a gente leva para a vida. É uma viagem que é para ser feita algumas vezes na vida e eu não vejo a hora de voltar.